sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Sandades de Luanda

Primeiro estranha-se, depois entranha-se. Assim se pode falar um pouco de Luanda, onde estive um mês a fazer a cobertura do campeonato africano das nações.

Para já, cheguei e tive a satisfação de verificar que bastavam sete horas de avião para passar de cinco graus centígrados para 30. É estranho estar num sítio em mangas de camisa e calções e estar a ver na televisão o meus país coberto de neve. E sorri. Principalmente quando mergulhei nas águas quentes de Luanda.

Outra das coisas que me fez muito bem foi o trânsito em Luanda. Meus amigos, o IC19, a segunda circular e o acesso à Ponte 25 de Abril, em hora de ponta, é... trânsito em alta velocidade em Luanda. Cheguei a demorar duas horas e meia para fazer oito quilómetros, logo... Para mais, se o Presidente sai do palácio, muitas ruas são cortadas e começamos a perceber como se sente um frango no forno, principalmente se o ar condicionado não funciona.

O nosso motorista é um ás do volante. Leva-nos por musseques que fazem da Cova da Moura um resort de luxo só para ganharmos tempo. O Jeep salta como se estivesse num trampolim, tais os buracos. E o cheiro de algumas ruelas fazem do rio Trancão, nos bons tempos, um Chanel n.º 5... Mas o engraçado é que vemos gente que não intimida, muitas crianças a brincar e muitos sorrisos. Está-se bem.

Em Luanda a lagosta pode custar o mesmo que um... bitoque. Ou seja, o bitoque é... caro... Uma refeição que não me fica a menos de 50/60 dólares e sem extravagâncias. Vale que se come com a Baia de Luanda em pano de fundo, ou o Atlântico a banhar-me os pés. Provei uma coisa que se chama Calulu. Delicioso. Não me peçam para explicar como é...

Em Luanda os miúdos tocavam-me a medo. «Tens a pele muito fraca», diziam-me. Tocar num branquinho como eu, se bem que a entrar já para o lagosta, era uma descoberta. De facto, a pele deles é bem mais rígida, a minha mais flácida. Foi engraçado, senti-me ave rara que eles queriam tocar.

Em Luanda tudo se vende na rua. Até... sanitas. Ou pneus... Ou sofás em pele, em cima de ruas de... terra batida. Mas tem piada regatear, fazer-se difícil. Há automobilistas que compram o que precisam sem sair do carro. E os miúdos entragam a mercadoria, recebem o dinheiro 50 metros à frente e dão o troco mais à frente, sempre a correr. Estão em grande forma.

Aos poucos, Luanda ganha piada. Tem de tudo, é um mundo. Senti-me seguro. Comi bem, esquecendo o preço das coisas. Entrei por um musseque dentro para comer um excelente Calulu, que me soube tão bem, com vista para a Baía e uns miúdos a pescar à linha, com anzol, mas sem isco. Que perícia.

E se é verdade que encontrei gente que odeia portugueses e que por mandarem numa sala pensam que são presidentes, a maioria das pessoas que encontrei foram afáveis e alegres.

Incrível o ambiente no estádio sempre que a selecção de Angola jogava. Quase a rebentar os tímpanos, tal a festa que se fazia. Haja imaginação para apoiar a selecção, com todo o tipo de adereços.

Chego a Portugal e estão 10 graus. Qua saudades dos 30 de Luanda e das águas quentes para um mergulho. Nunca mais me queixo do trânsito do IC 19.

Viver em Luanda é duro, o tempo tem o seu próprio tempo e nem adianta querer fazer mais do que uma coisa por dia. O trânsito é louco, os horários não são para se cumprir. Há pobreza e riqueza lado a lado. Mas uma pobreza que os abgolanos tornam digna, recorrendo aos biscates e à imaginação para garantirem o pão nosso de cada dia. Mas sente-se que é um país a crescer, em movimento, onde sempre acontecem coisas. Às vezes, neste Portugal, sente-se uma certa claustrofobia, águas paradas e ausência de perspectivas. Tenho pena, porque amo este País. Como gostei muito de Angola. Porque lá, cada vitória sai-nos mesmo do pelo e essas são as vitórias que são mais saborosas. Chego cansado, mas chego bem.

15 comentários:

Pascoal Sousa disse...

Tu e O Luís fizeram um magnífico trabalho por lá. Parabéns!

Jorge Pessoa e Silva disse...

Grande Pascoal


Quase tão bom como o teu CAN... :-) Grande parte das coisas que fizemos foi para o jornal de lá. Pena porque em Portugal muitas coisas passaram despercebidas. E a malta aqui ajudou muito.

Grande abraço

Unknown disse...

Que saudades, amigo. :)))

Beijos

Jorge Pessoa e Silva disse...

Viva Joana

Que saudades, amiga

Beijos grandes

Anónimo disse...

É de louvar a sua escrita eufemística... conseguiu descrever um inferno como se do paraíso se tratasse :) Bj

Jorge Pessoa e Silva disse...

Viva Cabra-Nazi

O propósito não era bem esse, no máximo descobrir paraísos escondidos atrás dos pequenos infernos. Luanda exige tempo, exige um estado de espírito em que temos de nos despir de coisas que damos por adquiridas, exige que mudemos alguns critérios de conforto e do que é de facto importante para nós. E Luanda dá-nos essa chance de dificultar as nossas lutas, de nos obrigar a medir o tempo de maneira diferente, de descobrirmos as coisas mais simples. Sofri mais em Luanda para conseguir fazer algumas coisas do que sofreria em Lisboa. Mas quantas vezes não são mesmo as vitórias mais dificeis as que nos dão mais gozo.

Se eu trocava Lisboa por Luanda? A resposta instintiva é não, adoro a minha cidade e há coisas que me custam a habituar. Mas o certo é que fico muito tempo a pensar nisso e aquela terra tem um apelo qualquer que me inquieta.

Beijinhos

Coisa disse...

Bem regressado querido Jorge!!!
Ainda bem que regressaste são e salvo...e pelos vistos, com um brilhozinho nos olhos e um sorriso nos lábios. (Apesar de tudo).

Beijokas e inté já
(já sei que vais andar à nora p saber quem é esta "coisa"...à hora do almoço saberás, eheheheh)

Jorge Pessoa e Silva disse...

Viva Coisa

Saberei?

Beijinhos

Pascoal Sousa disse...

Olá, Jorge. Como sabe, tb tenho acesso às páginas de Angola. Por isso, reforço: belo trabalho! Abraço

Jorge Pessoa e Silva disse...

Grande Big Sousa, o que soa a pleonasmo, mas fica fino por ser em português e inglês...


Como sabe, sou um distraído de primeira e nem me lembrei desse pormaior de também teres Milenium... Ou então estava a querer sabotar à partida os seus simpáticos cumprimentos. Que humildamente, e constrangido, aceito.

Abração

Anónimo disse...

Estou a ver que até nem foi muito mau... cá eu nunca me queixei do IC19!!!



=))

Jorge Pessoa e Silva disse...

rs..rs..rs.

Viva Atittude

Nunca mesmo? Será porque não precisas? rs..rs..

Beijinhos

june disse...

Nunca lá fui...mas como nasci em Africa...soube-me bem ler este texto...até senti um calorzinho a subir-me pelo corpo...Huuum...
Beijos
Jaci

Jorge Pessoa e Silva disse...

Viva June

Se nasceste em África, acho que devias ir. É uma experiência e tanto, embora varie muito de país para pais...

África, para o bem e para o mal, marca-te. Porque desafia as tuas referências, desafia muitas coisas que tens por garantidas. Desafia até a tua forma de contar o tempo....

Beijinhos, obrigado pelo comentário. Foi bom rever-te

Ricardo disse...

Belo relato. Parabéns.