sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A relação difícil de um homem com o automóvel

1 - Ponte 25 de Abril. O trânsito parado. Um condutor com automóvel bem comprido procura meter-se num espaço onde eu sabia que nem o meu SMART cabia... Resultado? Um ligeiro toque, daqueles que nem mossa faz, difícil seria fazer a 2 quilómetros por hora...

O homem, percebendo que vão duas mulheres no outro carro, sai do automóvel e insulta-as com a inusitada indignação do macho latino que, por questões de ADN, talvez, teve dificuldades em acompanhar a evolução da sociedade e ainda acredita que o lugar das mulheres é na cozinha...

Teve azar. O ADN das duas senhoras já entra na categoria dos que se adaptaram aos novos tempos. Saltaram do automóvel e toca de irem direitas ao autor dos insultos. Ia jurar que, com a pressa, até traziam os air-bags da carrinha na mão. Afinal... não. E que bonito foi ver um homem a correr à frente de duas mulheres sem escapar a algumas lambadas...

2 - Há duas coisas que transtornam nitidamente um homem: uma mulher e um automóvel. E se no primeiro caso o transtorno é, por norma, mais ao menos inofensivo, limitando-se o homem a fazer figuras tristes e deprimentes; no segundo caso fica agressivo e irracional. Basta sentarmo-nos ao volante e antes mesmo de darmos a volta à ignição já nos transformámos numa besta.

Um homem é bem capaz de ir amigavelmente a falar com um amigo, ou um vizinho, e despedir-se com um caloroso «bom-dia» antes de entrar no carro. Segundos depois, sentado ao volante, já está a gritar com a mesma pessoa, «sai da frente ó palhaço que a minha vida não é isto...»

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A senhora que fundiu fado, flamenco e rap

Ando há algumas semanas a observar a senhora que se senta à porta da pastelaria da minha rua, de copo em riste na mão a mendigar por umas moedinhas.

Canta histórias de pasmar (sim, canta), pungente, que fariam chorar as pedras da calçada não fosse a intensa chuva ter inundado tudo. A história mais fascinante foi a de como em duas semanas passou de doze para treze filhos sem que lhe notasse qualquer ar de gravidez. À atenção dos cientistas...

Às vezes passa por ela uma outra senhora. Não sei se amiga, familiar ou simplesmente conhecida, mas em boa hora aparece porque tem o condão de interromper a cantoria e a senhora sentada no chão até sorri. Falam um pouco sobre trivialidades e percebo que a outra senhora não vai longe, sentando-se também à porta de uma pastelaria de copo em riste.

À hora de almoço a senhora lá vai à sua vida. Não parece que vá conseguir matar a fome com as poucas moedas que leva, para mais com 12 filhos. Ou melhor, 13. Talvez por isso volta à tarde.

Curiosamente, não a vejo quando chove bastante ou aos domingos, o que também devia ser estudado pelos cientistas, já que, pelos vistos, a fome desaparece com chuva e ao domingo.

Continuo a pensar naquele cantar arrastado e acabo por concluir que a mulher acaba de inventar uma música que é a fusão entre fado, flamengo* e rap. E pensei: ora aí está uma boa maneira de ganhar dinheiro. Reparem na letra e tentem imaginar a fusão:

«Ai que Deus me acuda, que sou uma desgraçadinha;
Preciso da sua ajuda, dê-me uma moedinha;
Tenho 12 filhos [quer dizer, 13], para sustentar,
Dê-me uma moeda e o céu vai ganhar.

Refrão

[choro arrastado] Sou uma desgraçadinha, yô [choro arrastado]
Yô...

Ainda tentei vender a ideia. Mas continua a preferir uma moedinha...


*Sei que estão a pensar que me enganei e queria dizer flamenco. Mas flamengo também se aplica, porque as canções parecem queijo derretido, ou, como os ingleses classificam alguns cantores e canções, cheesy. Ou isso ou enganei-me mesmo e não estava para ter o trabalho de corrigir...

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O novo Governo de Portugal ou como Ronaldo dava misnistro

No Forum TSF de hoje, um comercial estava todo contente com a vitória de Portugal. Dizia que esta manhã os clientes andavam muito mais satisfeitos e já tinha fechado mais negócios do que o habitual. Só uma intelectualidade preconceituosa se recusa a reconhecer ou a aceitar o papel do futebol e do desporto no estado de espírito e no ânimo dos cidadãos. E seis golos, seguramente, vão valer uns pozinhos no PIB... Só falta Portugal brilhar no Euro. Seria a isto que o ministro da Economia se referia quando anunciou para 2012 o fim da crise?


Com base em tudo quando se passou ontem no Estádio da Luz, cada vez mais me convenço que a solução para a crise de Portugal passa pela constituição de um Governo... sol.

Primeiro-ministro: Paulo Bento
É verdade que tem qualidade no leque de opções, mas não tem muito por onde escolher. Sabe maximizar o que tem e corta a direito se for preciso. Capaz de organizar e coordenar uma equipa governativa.

Ministro dos Negócios Estrangeiros – Eusébio
Não joga, mas lá fora continua a ser um excelente diplomata e promotor da imagem de Portugal.

Ministro das Finanças – João Moutinho
Pela forma como joga, ele mostra que é possível a austeridade sem comprometer o crescimento económico. Corta a eito no que tem de cortar, livra-se da gordura adversária que só faz mal a Portugal, corta nos custos intermédios que só fazem perder tempo e eficácia e relança o País para o ataque à crise

Ministro da Economia – Cristiano Ronaldo
Os golos que marcou, o que jogou e fez jogar, tiveram o mérito de provocar já hoje um aumento de produtividade no País. Concessionaram a uma empresa estrangeira a prospecção de ouro no Alentejo, mas em Portugal já há um garimpeiro de altíssimo quilate.

Ministro da Justiça – Hélder Postiga
Depois do segundo golo da Bósnia, onde fomos ‘gamados’ por uma equipa alemã, soube dar justiça ao que se estava a passar quando marcou o 4-2. E foi uma justiça rápida, sem fazer sofrer muito o cidadão de bancada, e sem artifícios delatórios.

Ministro da Administração Interna – Raul Meireles
Trabalho de polícia e manutenção da ordem é com ele. Não só combate a desordem quando acontece como faz um trabalho de prevenção exemplar.

Ministro da Defesa – Bruno Alves
Por terra, ar ou... mar, nada lhe escapa. Competentíssimo.

Ministro da Agricultura – Pepe
Mostrou na Bósnia como se pode ser muito competente a trabalhar na... horta.

Ministro da Solidariedade Social – Adeptos de Portugal
A solidariedade não se apregoa, pratica-se. E os adeptos foram solidários. Entre eles e com o... Governo-Sol. Sempre a empurrar Portugal para a frente, de mãos dadas e com enorme patriotismo.

Ministro da Saúde – Nani
Um golo como aquele que marcou faz bem à saúde e em especial ao coração. Com ele não há listas de espera, não há filas nas urgências, não há falta de recursos. Estamos a sofrer? Então tomem lá este comprimido de 35 metros e que vai direitinho ao problema... E sempre é mais diviertido ir ao Estádio do que ao Hospital.

Ministro da Educação – Selecção Nacional
Com ela aprendemos o Hino Nacional, que cantamos a plenos pulmões. Estes jogadores quando abrem o livro são um deleite. Marcam golos que são autênticos poemas. Até marcam golos de... letra se for preciso. Instaurou uma cultura de vitória.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O corno, o flho de mãe de má reputação e o negro

Ponto 1 – Se o guarda-redes da equipa visitante for marcar um pontapé-de-baliza e o estádio inteiro, com voz forte e grossa, gritar 'filho da mãe que exerce a profissão mais antiga do mundo', as instituições desportivas e os protagonistas nada fazem. Até são capazes de achar piada.

Se os adeptos começaram a tourear o adversário com sonoros olés, haverá até quem tal justifique à luz da tradição tauromáquica lusa.

Se o público começar a cantar canções do Melão para ridicularizar um jogador e destabilizá-lo no que à orientação sexual diz respeito, muita gente se ri e critica o jogador por ter reagido em vez de ficar... calado.

Se o mesmo público começar a imitar um macaco quando um jogador negro pega na bola, o clube arrisca-se a pesadas sanções.

Conclusão: é mais grave menosprezar a cor da pele do que a honorabilidade da mãe dos jogadores ou a dignidade do seu humano ou até mesmo ridicularizar uma alegada orientação sexual.


Ponto 2 – César Peixoto que conte um dia, se quiser, quantos jogadores já o provocaram em campo dizendo que as duas últimas mulheres da vida dele – Isabel Figueira e Diana Chaves – tinham a mesma profissão da mãe que referimos no ponto anterior e quantos se gabaram de lhes terem ensinado todas as posições do Kama Sutra e que o César Peixoto não era competente para deixar as mulheres felizes... Não consta que o jogador do Benfica tenha vindo a público fazer queixas de ter sido chamado de... corno, impotente e incompetente sexualmente.

Os jogadores que contem os insultos que ouvem de adversários, sendo o convite para irem para... uma fábrica de artesanato tradicional das Caldas da Rainha o mais leve.

Dito isto, e falando a sério, as minhas conclusões:

1- Até acredito que o Javi Garcia possa ter chamado «preto» a Alan e quase juro que nunca insultaria ninguém com questões rácicas fora do relvado. Se o Alan fosse gordo chama-lhe montanha de banhas ou se usasse óculos chamava-lhe caixa de óculos, etc... Tal como mandou alguns jogadores para as Caldas e colocou em causa a honorabilidade das mães e das mulheres de outros adversários. E, repito, fora do relvado nunca faria tal coisa.

Neste contexto, das duas uma: os desvalorizamos a questão por sabermos que os jogadores estão de cabeça quente, ou levamos a sério e consideramos que o assunto merece censura. Neste caso:

A – O racismo é uma forma estúpida e inaceitável de discriminação entre os homens. Lembraram-se da cor da pele, mas se um dia inventarem que o que divide os homens é o tamanho do pénis não vou gostar de ser discriminado por o ter... pequeno 

B – O racismo é apenas uma das formas de discriminação, e nesta área todas têm o mesmo valor: a raça, a orientação sexual, a honorabilidade, a religião, o bom nome...

D – O anti-racismo chega a atingir pontos tais que, sinceramente, mais me parece uma das formas mais perniciosas de... racismo.

4 – Sabem quando se saberá que o racismo acabou? Quando ninguém falar sobre o assunto.