segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A senhora que fundiu fado, flamenco e rap

Ando há algumas semanas a observar a senhora que se senta à porta da pastelaria da minha rua, de copo em riste na mão a mendigar por umas moedinhas.

Canta histórias de pasmar (sim, canta), pungente, que fariam chorar as pedras da calçada não fosse a intensa chuva ter inundado tudo. A história mais fascinante foi a de como em duas semanas passou de doze para treze filhos sem que lhe notasse qualquer ar de gravidez. À atenção dos cientistas...

Às vezes passa por ela uma outra senhora. Não sei se amiga, familiar ou simplesmente conhecida, mas em boa hora aparece porque tem o condão de interromper a cantoria e a senhora sentada no chão até sorri. Falam um pouco sobre trivialidades e percebo que a outra senhora não vai longe, sentando-se também à porta de uma pastelaria de copo em riste.

À hora de almoço a senhora lá vai à sua vida. Não parece que vá conseguir matar a fome com as poucas moedas que leva, para mais com 12 filhos. Ou melhor, 13. Talvez por isso volta à tarde.

Curiosamente, não a vejo quando chove bastante ou aos domingos, o que também devia ser estudado pelos cientistas, já que, pelos vistos, a fome desaparece com chuva e ao domingo.

Continuo a pensar naquele cantar arrastado e acabo por concluir que a mulher acaba de inventar uma música que é a fusão entre fado, flamengo* e rap. E pensei: ora aí está uma boa maneira de ganhar dinheiro. Reparem na letra e tentem imaginar a fusão:

«Ai que Deus me acuda, que sou uma desgraçadinha;
Preciso da sua ajuda, dê-me uma moedinha;
Tenho 12 filhos [quer dizer, 13], para sustentar,
Dê-me uma moeda e o céu vai ganhar.

Refrão

[choro arrastado] Sou uma desgraçadinha, yô [choro arrastado]
Yô...

Ainda tentei vender a ideia. Mas continua a preferir uma moedinha...


*Sei que estão a pensar que me enganei e queria dizer flamenco. Mas flamengo também se aplica, porque as canções parecem queijo derretido, ou, como os ingleses classificam alguns cantores e canções, cheesy. Ou isso ou enganei-me mesmo e não estava para ter o trabalho de corrigir...

Sem comentários: